Jogo do Povo
Lusitânia dos Açores. O golo é o pão nosso de cada dia
2023-12-14 15:40:00
Entrevista a Paulo Bessa, avançado do Sport Club Lusitânia, dos Açores

Não consta que Paulo Mendes Campos (1922-1991) tenha tido jeito para os relvados ou para os golos. Mas o cronista literário encantou como poucos, com a sua escrita, um Brasil onde marcar golos é sempre uma dádiva a quem tem esta habilidade.

Numa das suas mais brilhantes incursões pelo mundo das letras no futebol, Mendes Campos disse-nos que “o gol é o pão do povo”. E o autor tem razão porque quem vê futebol e, sobretudo quem o sente, sabe que o golo é alimento.

O golo alimenta tanto quando a bola beija as redes quanto dá fome e com ela cresce quando os remates certeiros não aparecem. 

Aferrolhado a sete chaves tantas vezes por defesas competentes, o golo chega quando, de forma coletiva ou individual, num rasgo de génio, um lance fortuito ou uma combinação de equipa, tudo se compõe e a alegria se celebra. E quem o marca é celebrado, idolatrado e levado e elevado ao patamar de estrela da equipa tantas vezes.

Um jogo sem golos é, pois, aquilo a que Paulo Mendes Campos chamou de “futebol moderninho” no “máximo da perfeição negativa” em que a “alimentação popular” fica “sem alimento” como um “jardim sem plantas” ou “um viveiro sem passarinhos”.

No pulsar e no tentar sorrir, quem marca golos sabe que nem sempre os caminhos são fáceis. Há dificuldades, por vezes caem lágrimas mas, como dizem os poetas, é preciso “chuva para florir”, e continuar, como se diz em português do Brasil “tocando em frente”.

Paulo Eduardo Cardoso Bessani, ou simplesmente Paulo Bessa, tem dedicado a vida de jogador à arte dos golos. Ao serviço do Lusitânia dos Açores leva já vários e promete continuar, ao mesmo tempo que vai sendo uma das figuras do Campeonato de Portugal numa Série C recheada de competitividade.

“Eu acho que o Campeonato de Portugal é muito competitivo e isso obriga a que as equipas tenham bastante regularidade, nos jogos. É também um Campeonato onde é preciso que as equipas tenham equilíbrio nos jogos para tentar manter a regularidade de vencer. Quem consegue vencer três, quatro ou cinco jogos, acaba por criar um diferencial muito grande em relação às restantes equipas do grupo”, afirmou Bessa.

“Muita gente agendou no barbeiro para estar bonito no dia do jogo”

O jogador do Lusitânia dos Açores explicou ainda que tem notado desde que chegou a Portugal que nesta competição “cada jogo é incerto” no que toca ao resultado final, onde “não há favorito” e “onde não se sabe qual é a equipa que vai ganhar”.

Mas a vida e o futebol vivem de oportunidades e são essas que Bessa vê que o Campeonato de Portugal oferece, abrindo possibilidades. 

“Às vezes são viagens cansativas e longas e temos de ter uma capacidade psicológica forte para enfrentar jogos fora”

“É um campeonato de oportunidades”, reconheceu o jogador do clube açoriano, em entrevista ao Jogo do Povo, no Bancada, onde falou da forma como jogar num clube insular acaba por ser um desafio.

“É um desafio”, explicou, entre sorrisos, confirmando que, em algumas situações, quando têm dois jogos seguidos no continente, por exemplo, têm de viajar de avião em semanas consecutivas, acrescendo a esse facto a necessidade de fazerem depois as ligações do aeroporto para os estádios do Campeonato de Portugal.

“Às vezes são viagens cansativas e longas e temos de ter uma capacidade psicológica forte para enfrentar jogos fora”, reconheceu o jogador, sublinhando que o grupo, por vezes, tem esse ‘adversário’ extra que são as viagens que geram “cansaço”.

“Mas é um grande desafio”, admitiu o jogador brasileiro, ponta de lança de vocação e profissão que começou “muito jovem” na arte de fazer “golos” em Açailândia, no Maranhão, onde via o seu pai que era guarda-redes.

“Eu desde os meus 5 ou 6 anos que acompanhava o meu pai”, contou, sublinhando que apesar de ser de uma “cidade pequena” não faltaram oportunidades.

“Tive oportunidades de aprender e de me focar mais e me tornar o que sou hoje. Sou uma pessoa focada para conseguir os meus objetivos”, assegurou o camisola 50 do Lusitânia dos Açores.

“Adaptei-me bem. Cresci como jogador. Esta é a minha quarta temporada em Portugal. Adaptei-me muito bem. Comecei no Famalicão, depois passei pelo Operário de Lagoa e agora estou no Lusitânia dos Açores”.

“Comecei na escolinha do Pé de Atleta no Ferroviário”, recordou, admitindo que esse era um tempo em que jamais imaginou as voltas que a carreira de futebolista poderia dar.

“Não imaginava que poderia estar aqui hoje”, observou Bessa, falando do “orgulho” que tem por si mas também por todos aqueles que chegam desde o “nordeste” para triunfar, até porque sente que, nessa zona do Brasil, há um “povo excluído”.

Arquivo pessoal Paulo Bessa

“É muito importante estar aqui a representar o meu estado”, confirmou Paulo Bessa, em entrevista ao Jogo do Povo, fazendo notar que sentiu “dificuldades” quando chegou a Portugal no que toca ao estilo de jogo.

“Mas eu acho que hoje sou bastante calejado. Adaptei-me bem. Cresci como jogador. Esta é a minha quarta temporada em Portugal. Adaptei-me muito bem. Comecei no Famalicão, depois passei pelo Operário de Lagoa e agora estou no Lusitânia dos Açores”.

Uma viagem marcante a Itaquera, a casa do Corinthians

Quem entra no futebol fá-lo por alguma razão, quase sempre puxado pela paixão que vira amor e que leva a que a lealdade seja constante por toda a vida.

Paulo Bessa jamais apagará da memória a primeira vez que teve a possibilidade de entrar num estádio de futebol “a sério”.

“Ah cara, quando eu fui num estádio de verdade, mesmo assim, foi no Brasil no Estádio de Itaquera, o estádio do Corinthians, onde me senti muito privilegiado por ver aquela torcida num clássico contra o Palmeiras”, recordou, deixando claro que ainda tem outros e “muitos sonhos” para cumprir, nomeadamente em estádios de Portugal.

“Quero que o meu pai esteja presente, a minha mãe e a minha esposa que está dentro do processo, é a minha guerreirinha. Quero que eles estejam todos presentes no dia em que eu chegar a grandes palcos”, projetou Paulo Bessa.

“Porque eu tenho a certeza que vou chegar, se Deus quiser”, afiançou o avançado que tem sido uma das figuras do Campeonato de Portugal.

“Eu vivo só do futebol e pretendo continuar só no futebol. Então, espero assim continuar”, vincou Paulo Bessa que não esquece também o jogo contra o Benfica já durante a época 2023/2024 para a Taça de Portugal.

“Foi um momento gratificante, foi para desfrutar. A gente sentiu-se muito bem e foi um jogo onde tivemos um bom desempenho, jogamos bem, um bom futebol diante do Benfica. Foi uma oportunidade para todos e foi especial para todos um jogo desses.”

Desse jogo ficam recordações de dentro de campo. “O cartão amarelo que levei ficou marcado, na entrada que tive ao Chiquinho mas está tudo bem”, assumiu Paulo Bessa, lembrando ainda que a semana que antecedeu esse jogo de cartaz contra o Benfica levou muita “galera” a agendar uma marcação no barbeiro.

“Muita gente agendou no barbeiro para estar bonito no dia do jogo”, admitiu o avançado, entre sorrisos, porque é a sorrir que Bessa quer levar a vida, sempre sabedor que os adeptos querem golos, até porque o golo é uma obrigação para os avançados, uma espécie de 'pão nosso de cada dia', como diz o povo português no adágio popular.