Jogo do Povo
Os Limianos. Todos a remar para o mesmo lado
2024-02-08 16:25:00
Entrevista a Hircane Graça, jogador da Associação Desportiva Os Limianos, do Campeonato de Portugal

É no rio que está a essência de Ponte de Lima, terra do mítico arroz de sarrabulho, onde a canoagem tem um peso gigantesco no medalheiro nacional e internacional. 

Por terras de mesas fartas e amigas da partilha, há também cantares ao desafio a encher o peito de orgulho e a afinar a garganta. Mas Ponte de Lima não vive só do vai e vem de canoas. O desporto faz-se presença constante também no futebol e com todos a 'remar' para o mesmo lado.

A bola que rola tem muitos adeptos e gera emoções nos campeonatos nacionais num futebol que, mais do que pegar na bússola para rumar a Oriente à procura do dinheiro, ruma a locais onde o futebol se faz vida, com essência e portugalidade.

Um Hircane "100 por cento português" no clube do Lima

Em Ponte de Lima, o Jogo do Povo encontrou Hircane Graça, um médio que também pode ser extremo e que é “100 por cento português”, apesar de o nome que pode gerar algumas dúvidas.

“O meu nome surgiu porque a minha mãe queria um nome diferente para mim. Então, ela andou à procura, e no livro de registos tinha lá este nome, ela gostou e, portanto, ficou”, explica Hircane Graça, ele que, aos 25 anos, continua a ter sonhos ligados à bola e ao futebol, mesmo que esta seja uma atividade que tantas vezes o tem privado, e à família, de muitas coisas.

“As nossas vidas ficam muito dependentes do futebol, muitas vezes podíamos ir jantar fora e cometer alguns excessos, ou ir beber um copo, mas temos sempre que perceber que maior parte das vezes não o podemos fazer porque vamos ter treino ou jogo”, relatou Hircane, em entrevista ao Jogo do Povo, no Bancada.

Apesar de tudo, o jogador do Limianos sabe a importância que existe neste patamar também para que os jogadores estejam sempre no seu melhor rendimento.

“O importante é estarmos bem”, assumiu o jogador, notando que há convívios de família que ficam perdidos na rota dos dias quando é o estádio do destino de um qualquer domingo.

"Muito talento no Campeonato de Portugal"

“O fim de semana acaba por ser dos altura em que a família e os amigos têm disponível para passear ou fazer outra coisa. Mas no caso dos futebolistas temos jogos”, relatou o atleta, sem que isso lhe deixe mágoas, porque, afinal, quando a bola rola, a alegria é imensa.

“Sinto que tenho crescido muito como jogador, estamos sempre a aprender e procuro sempre melhorar nos aspetos nos quais não sou tão forte”, identificou, sustentando que tem sempre presente aquilo que o caracteriza como jogador para que, se for possível, possa atingir patamares mais altos no mundo da bola.

“Como a maior parte, temos o sonho de chegar o mais acima possível, treinamos todos os dias porque gostamos do que fazemos, mas também é sempre bom ver o nosso trabalho ser valorizado”, reconheceu o jogador que vê o Campeonato de Portugal (CP) como sendo um palco onde há “muito talento” até porque este é um espaço “extremamente competitivo”.

“É um campeonato sempre muito complicado de conquistar pontos, e onde há imensa qualidade que muitas vezes não é aproveitada”, referiu Hircane Graça, agradado com o aproveitamento que, ainda assim, se vai fazendo de alguns talentos que vão aparecendo no CP.

“Ainda assim, têm-se visto bastante jogadores a ir do Campeonato de Portugal para ligas profissionais o que mostra a vasta qualidade que há no futebolista português, mas ainda assim acho que há margem para uma maior aposta em jogadores de escalão inferior que, por circunstâncias da vida, ainda não conseguiram chegar às divisões profissionais”, referiu o camisola 14 do Limianos, notando que se tem cruzado com muitos que “têm valor para isso”.

O '14' de Cruyff e Henry

Além do raio x que traçou ao CP e à Série onde o Limianos compete, Hircane deu voz ao grupo de trabalho e aos objetivos que o Limianos tem.

“Um dos objetivos do clube prima por, além de ter resultados positivos, como é óbvio, procurar ter uma ideia de jogo positiva”, contou o jogador, sublinhando que a formação do Lima procura ter um futebol em campo “que valorize os jogadores e equipa técnica”.

“E que também o adepto limiano quando vá assistir a um jogo da equipa, goste daquilo que vê”, observou o camisola 14, que explicou que não é em vão o uso desse número nas costas.

“Comecei a usá-lo há duas ou três épocas atrás e não me recordo bem do porquê, mas provavelmente naquela altura não devia haver muitos números disponíveis”, começou por referir, desfazendo a curiosidade do Jogo do Povo se isso teria que ver com o gosto pelo futebol catalão, em tempos, com Messi, Xavi, Inister ou Henry.

“Sou muito adepto do Barcelona, e o número 14 foi usado pelo grande Cruyff e outros grandes jogadores como o Henry”, admitiu Hircane, concordando que isso ajudou na escolha. “Decidi escolher e tem vindo a manter-se comigo até agora esse número”, contou o jogador que fez a sua formação no SC Braga e que tem feito quase toda a sua carreira por terras do Minho.

“Como sou de Braga sempre foi melhor jogar aqui perto. Na época passada achei que era uma boa altura e oportunidade para ir para os Açores e assim o fiz”, reconheceu Hircane que não esquece os tempos em que jogava pelos guerreiros na formação. 

Uma corrida no dilúvio e afinal... treino cancelado no 1.º de Maio

Esse era o tempo das viagens de Range Rover à boleia da mãe que saía do emprego para o levar aos treinos, ou das boleias na carrinha do clube, ou até mesmo das idas a pé para o estádio. Algumas dessas idas marcantes, como o próprio confessa.

Esse era também o tempo de amizades como aquela que ainda tem com o amigo Pedro, com quem se cruzou nos balneários do SC Braga e que tantas aventuras já enfrentou. Algumas delas com muita chuva à mistura e treinos cancelados.

A esse propósito, Hircane recorda que, certo dia, o S. Pedro decidiu ‘carregar’ pela cidade dos Arcebispos com muita chuva coisa que, valha a verdade, não é uma novidade em Braga.

"Já tive de congelar matrículas, mas neste momento estou outra vez a estudar e estou quase a acabar a licenciatura"

Como havia treino, Hircane e Pedro tinham de ir para o Estádio 1.º de Maio. E o resto, só mesmo nas palavras do jogador.

“Estudávamos numa escola perto do Estádio 1.º de Maio, que era onde treinávamos, e nós íamos todos os dias ao fim das aulas a pé para o treino. Um dia estava a chover mesmo muito e não queríamos ir, mas depois não podíamos chegar atrasados ao treino e ganhamos coragem para ir. Aquela ida até ao estádio foi um inferno, era poças enormes por todo o lado, eram os carros a passar na estrada a mandar água”, recorda até que o verdadeiro ‘balde de água’ aconteceu quando chegaram ao estádio.

“Chegamos ao estádio completamente molhados, como se tivéssemos tomado um banho, e soubemos só aí que cancelaram o treino porque não havia condições para treinar. Na altura, não ficamos muito contentes mas agora tem a sua piada”, admitiu Hircane, que estuda na Universidade do Porto ao mesmo tempo que procura sonhar com uma carreira no futebol.

“Acredito que quem joga futebol deve sempre pensar além disso e preparar o futuro, e portanto estou a tirar o curso de Ciências do Desporto na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto”, disse Hircane, em jeito de conselho, ciente de que, tantas vezes, é um desafio superar e conciliar as cadeiras da faculdade com os jogos. 

“Vou conciliando com o futebol. Já tive de congelar matrículas, mas neste momento estou outra vez a estudar e estou quase a acabar a licenciatura”.

O futuro continuará a ser do tamanho dos sonhos e ambições dos limianos, seja na terra ou na água, num campo de futebol ou no curso do rio.

E muito mais do que o ouro, líquido, derretido sobre um molde de medalha para colocar no peito, Ponte de Lima continuará a ser palco de partilha, de sonhos e de ambições desportivas dentro e fora de água, com todos a ‘remar’ para o mesmo lado, seja no vai e vem das conas, seja nas táticas do futebol na Associação Desportiva “Os Limianos”.