Vi muitos mas não todos (desta vez era mesmo humanamente impossível) os grandes jogos de um fim de semana em cheio. Mesmo assim, arrisco dizer que o Barcelona-Bétis foi talvez o mais admirável. Quique Setién, antigo médio ofensivo de recursos limitados, é o mais recente profeta do belo jogo, sem limites. Mais que os resultados - o ter ganho em Camp Nou e ser o primeiro a fazê-lo em dez anos e na mesma época também no Bernabéu – conta a forma como fez, o processo de jogo que é impressão digital deste sucesso em casa do líder. A primeira parte foi particularmente notável: condicionou a todo o campo, pressionou para ganhar a bola onde queria, geriu as transições com critério, conservando a bola como prioridade, foi magistral na gestão da posse e feriu quando tal se mostrava possível. Foi um Bétis à Barça no templo do melhor jogo e que nem um Messi regressado com dois golos pôde evitar. Já no Las Palmas Setién mostrara ao que vinha, numa prova segura de que antes dos jogadores está a ideia de jogo, que serve também para simplificar… a escolha dos jogadores. Homens como Sidnei ou Tello, que os portugueses viram sem grande sucesso por cá, são exemplos de que só é possível dar o melhor no contexto certo. Numa defesa que quer construir, Sidnei brilha (como Bartra), garantindo ainda a capacidade de recuperar os metros nas costas com uma velocidade incomum que o perfil gorducho parece esconder. Tello voa pela direita, embalado de trás e acionado quando a equipa consegue colocá-lo nas situações de um para um que tanto o favorecem. À esquerda faz o mesmo um miúdo da terra das praias, o dominicano Junior Firpo, que ontem dinamitou a defensiva catalã. Por ali se abriu mais vezes a autoestrada que valeu quatro golos mas a via verde era garantida pelo eixo pensador, feito de unidades vocacionadas mais para jogar do que para caçar rivais. São os movimentos interiores do velho sábio Joaquín a somar-se à inteligência feita dinâmica da dupla Guardado-William Carvalho, que não carregam pianos. O médio português fez um jogo monstruoso, terá sido até o melhor em campo numa equipa de brilho generalizado, com qualidade no desarme, vigor no transporte, acerto total no passe com assistências deslumbrantes. No contexto tático que o favorece, William é um craque absoluto e indiscutível.
É justo referir também Lucien Favre, o suíço de 61 anos que já anteriormente (no Nice ou no Borussia M´gladbach) mostrara ser diferenciado. O novo Borussia de Dortmund parece ter-se fartado de aplaudir títulos do Bayern e deixou agora, num jogo de confronto direto, o colosso da Baviera 7 pontos abaixo. Foi mais um jogo de emoções - que as equipas de iniciativa raramente podem ser responsabilizadas por jogos sonolentos - com o Bayern a perder depois de ter estado duas vezes em vantagem. Só a muita qualidade de jogo dos donos do Signal Iduna Park permitiu a reviravolta. À posse de risco (como joga Witsel!) juntou-se a capacidade de pressionar a construção deficiente dos bávaros, que vão longe as rotinas de Guardiola. O resto fez-se de criatividade e contundência a atacar o espaço, destacando-se Reus, liberto das lesões e livre no campo, o magnífico lateral marroquino Hakimi, destro a jogar à esquerda, emprestado pelo Real Madrid, e esse prodígio inglês pescado do City que se chama Jadon Sancho. É mais uma equipa de autor feita de base tática. Procuram-se treinadores? É seguir o caminho das melhores ideias, como as Favre como Quique Setién, tantas vezes escondidas em equipas de meio da tabela.
Em Inglaterra vi a enésima manifestação de superioridade do Manchester City e do seu futebol em que o talento não se mede aos palmos (nenhum dos médios e avançados titulares cegava a 1,80m). Foi mais uma demonstração de génio coletivo em que emergem os magníficos Silvas (David e Bernardo) e um Sterling que Guardiola transformou em arma letal, acrescenta-lhe entendimento do jogo. E não houve propriamente demérito (sobretudo defensivo) do Manchester United, que mesmo sofrendo golos cedo em cada parte conseguiu colocar areia na engrenagem ofensiva do rival. Acontece que o City é, hoje em dia, do ponto de vista coletivo, e de longe, a mais forte equipa do planeta e está num momento quase insuperável. Os melhores jogadores são potenciados pelas melhores ideias e não o contrário. Outra das melhoras propostas além-Mancha sai da minúcia tática com que Maurizio Sarri (em poucos meses!) construiu um novo e competitivo Chelsea. Ontem emperrou, como poucas vezes lhe acontecera, na estratégia impecável com que Marco Silva armou o Everton, entrando no coração do rival ao retirar, tática mas literalmente, do jogo Jorginho, elemento nuclear do jogo dos azuis de Londres e extensão de Sarri na relva.
Em Portugal, o prato principal foi servido no Dragão, onde Porto e Braga provaram ser as melhores equipas da Liga até agora. E digo melhores no binómio qualidade de jogadores/rendimento, o que serve de elogio em caixa alta aos dois técnicos, particularmente a Abel Ferreira. Sérgio Conceição superou a fase sofrível de há um mês e devolveu o conjunto a um rendimento constante, otimizado pelo recurso (finalmente!) ao genial Óliver Torres e pela aposta regular em Corona. Isto faz com que a equipa coloque mais criatividade sobre o campo, além de multiplicar soluções diferentes para lançar durante o jogo. Conceição aproveitou muito bem o recurso a Otávio e Herrera (e depois Hernâni), conseguindo mexer taticamente com o jogo e carregar sobre a área rival nos últimos minutos que se revelaram decisivos. Do outro lado esteve uma outra equipa completa, feita de competência no momento defensivo e ousadia quando lhe era permitido atacar, a jogar um futebol de iguais como poucos conseguem em território portista e que a deixou à beira de pontuar. Vale a pena essencialmente sublinhar a qualidade tática de ambos os lados, como princípios de jogo claros e uma identidade evidente entre o que os treinadores pedem e os jogadores mostram ser capazes de garantir. É disso que se fazem as melhores equipas. Além de que as boas ideias não têm de ser todas parecidas.