Foi Angel Cappa, argentino, antigo lugar-tenente de Valdano e desafiante pensador do jogo, quem o afirmou: no futebol pode ganhar-se de várias formas mas só se consegue jogar bem tendo uma ideia. E jogar bem aqui não é sequer jogar bonito, ter muita bola e multiplicar os passes, pode ser também investir num jogo mais rápido e vertical ou até numa defesa firme à espera do contra-ataque. Tem é de haver um propósito e treiná-lo bem. Sem bom treino não há bom jogo. E sem uma ideia do que se quer não há bom treino. Só se escolhe o melhor caminho conhecendo o destino, caso contrário o treinador não é mais que o fiel de armazém que vai gerindo os embrulhos que lhe entregam ou retiram. A evolução do treino e do jogo foi tal neste início do século que verdadeiramente a grande diferença entre os treinadores se traça hoje entre os que têm uma ideia (tática e estruturada) da qual não abdicam e os que variam em função da qualidade dos jogadores disponíveis, mesmo se é muito fácil confundir uns e outros, em função de ideias cristalizadas entre os adeptos, associadas a doses maciças de comunicação profissional.
Há muito que se multiplicavam os sinais de perda de rendimento da equipa do Benfica. Ou seja, o problema não é desta época nem sequer recente. Ao quarto ano no clube, Rui Vitória não inverte a situação, e não se trata apenas de analisar resultados, com frias e nem sempre rigorosas leituras estatísticas. A equipa foi perdendo segurança defensiva (algo que a rábula do guarda-redes na época passada apenas iludiu) e ofensivamente depende em demasia do talento individual. Melhor exemplo: a falta que têm feito os golos de Jonas. O Benfica tem vários avançados para finalizar mas que dependem sobremaneira do que a equipa constrói (ou não). Jonas inventava golos, quase os tirava do bolso, o que muitas vezes mascarou a deficiente produção ofensiva da equipa. Acresce que perante um adversário mais seguro a defender (que o Belenenses não foi, como o próprio Silas admitiu) não encontrará as mesmas autoestradas até à baliza. Pior que a falta de eficácia na primeira parte foram, no entanto, os momentos de transição defensiva desastrosos, que originaram também os golos sofridos, e o desnorte total a partir do momento em que Rui Vitória desatou a lançar jogadores avulso para o ataque. Não acredito que alguma vez tenha sido treinada uma estratégia com Rafa, Zivkovic, Jonas, Castillo e Seferovic ao mesmo tempo em campo, que foi como o Benfica acabou o jogo no Jamor. Nos últimos 25 minutos, a equipa encarnada não criou um único lance de perigo. Já lá vai o tempo em que se improvisava no jogo o que não se preparou no treino.
Diz o presidente do Sporting que quer ter o melhor treinador. Leitura óbvia: não o tem ainda. Frederico Varandas não é um grande comunicador mas é um homem inteligente e tem tido a descrição que se recomendava para superar os anos de loucura anteriores. Precisa é de perceber depressa o peso das palavras, já que, no futebol como na política, o que parece é. Neste momento, o que parece é que José Peseiro surge como um treinador a prazo e autorização para gabinete em Alvalade apenas até ao dia em que o presidente julgar ter encontrado uma solução melhor. E antes fora Sousa Cintra, que, a despeito dos bons serviços ao clube, não é exatamente um modelo de entendimento do jogo, a classificar como “hesitante” o treinador que (ele próprio!) escolheu para os leões, quando até já tinha Mihajlovic com contrato e Paul Le Guen apalavrado. Claro que a melhor resposta é sempre dada no campo e a equipa do Sporting foi competente como ainda não tinha sido esta época diante do Boavista. Com Mathieu recuperado, Diaby mais integrado e Bas Dost a mostrar-se uns minutos, já se viu um leão mais seguro, dinâmico e goleador. Há muito para melhorar? O treinador o diz repetidamente. Se vai conseguir jogar regularmente como se exige a um candidato, o que ainda não aconteceu? O futuro o dirá. O presente só diz que o Sporting não está a ser justo – nem nas bancadas nem nos gabinetes – com o treinador que o serve num contexto tão desfavorável. Peseiro, aos 57 anos, sabe que tem de responder com resultados como o de ontem mas também com exibições acima do que a equipa tem sido capaz. Os adeptos leoninos podem duvidar (duvidam mesmo) da capacidade do treinador para os levar aos títulos mas não aceitam ser defraudados quanto à qualidade de jogo, que é o que de melhor guardaram na memória da anterior passagem por Alvalade do treinador de Coruche.
PS: Abel Ferreira não tem estado bem apenas no trajeto da equipa, que coloca de novo o Braga entre os maiores. A declaração que fez no final do jogo em Guimarães, com a ressalva repetida de que não responsabilizava qualquer rival em concreto mas todos os que contribuem para a violência, bracarenses incluídos, é um grito de alerta que deveria ser ampliado por todos os que recusam o ódio no futebol, seja em forma de insultos, ameaças ou apedrejamentos. E que alguém nos oiça de uma vez.
Carlos Daniel escreve no Bancada às segundas feiras