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Valentim Loureiro: Uma biografia do major que fez o Boavista campeão
2024-03-06 09:50:00
Biografia de Valentim Loureiro, histórico presidente do Boavista que deixou as bases para o inédito título de 2000/01

Quem é Valentim Loureiro, essa figura incontornável do futebol e da política? Conheça o percurso do dirigente histórico do Boavista com esta biografia de Valentim de Loureiro.

Porém, apesar de ter transformado o modesto clube do Bessa no temível Boavistão, a aura de Valentim Loureiro não se esgota no futebol. Bem pelo contrário, o major também deu cartas na política e na justiça portuguesa.

Afinal, Valentim Loureiro é também protagonista do Apito Dourado, o caso que rapidamente saltou da justiça desportiva para os tribunais civis, num processo que polarizou toda a sociedade portuguesa.

Com esta biografia de Valentim Loureiro embarcamos numa viagem no tempo. Recorde os principais casos envolvendo o histórico presidente do Boavista e da Câmara de Gondomar. 

Valentim Loureiro: Biografia do major

Para muitos, Valentim Loureiro é ‘o’ major. Nascido em Calde, Viseu, a 24 de dezembro de 1938, Valentim Loureiro ingressa no Exército após terminar o curso superior de Administração Militar da Academia Militar.

Todavia, Valentim Loureiro tinha a patente de capitão quando deixou o Exército, em 1967. No ano seguinte, é convidado a assumir a chefia das modalidades do Boavista, como vice-presidente. Valentim Loureiro aceitou o desafio, mas também pegou na pasta do futebol.

Valentim Loureiro, o “capitão das batatas”

Como muitos outros capítulos da biografia de Valentim Loureiro, o momento da saída do Exército foi polémico. À data, ele ficou apelidado de ‘capitão das batatas’.

Na época da ditadura, o então capitão Valentim Loureiro estava responsável pelo aprovisionamento, em Angola. Apesar da censura em Portugal, foi revelado que Valentim Loureiro teria sido julgado e condenado em tribunal militar por comprar batatas acima do preço, apropriando-se desse excesso. Também desviaria rações para proveito próprio.

No entanto, toda a documentação oficial relativa ao caso das batatas desapareceu. De acordo com a versão oficial do Exército, Valentim Loureiro pediu a reintegração em 1980. Passou à reserva, mas com a patente de major.

Desta forma, com o sucesso do Boavista nos anos 1980, o futebol português ganhou um novo protagonista: o major Valentim Loureiro. Foto: YouTube

O major do Boavistão

Em 1978, Valentim Loureiro é eleito presidente do Boavista. Viria a ganhar novos mandatos, liderando os axadrezados até 1997.

De forma lenta mas sustentada, o major renovou a estrutura do futebol boavisteiro. Numa altura de afirmação do FC Porto, que chegou até a ser campeão europeu (1987), o Boavista começava a bater o pé ao rival citadino.

O mesmo acontecia com os grandes de Lisboa. Cada vez mais, FC Porto, Benfica e Sporting tinham mais dificuldades nos embates com o Boavista. Especialmente no Bessa, estádio onde os três grandes deixavam pontos com muita frequência.

Durante a presidência de Valentim Loureiro, o Boavista começou também a mostrar-se no futebol europeu. Em 1981/82, elimina o Atlético de Madrid da Taça UEFA. Em 1986/87, foi a vez da “equipa das camisolas esquisitas”, como o Boavista era referido no futebol europeu, deixar pelo caminho a Fiorentina, também numa eliminatória da Taça UEFA.

Com o major, o Boavista passou a Boavistão. Valentim Loureiro assumia um protagonismo crescente no futebol nacional, ombreando com figuras como Pinto da Costa e Pimenta Machado. Aliás, o Boavista do major Valentim Loureiro reclamou o estatuto de ‘quarto grande’ sem dar grandes veleidades ao Vitória SC de Pimenta Machado.

Primeiro presidente da Liga de Clubes

O tempo avançava rápido e o futebol era uma atividade cada vez mais profissional, exigindo uma gestão do tipo empresarial. As exigências colocadas aos clubes do principal escalão eram cada vez maiores, em contraponto com os apoios cada vez mais curtos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Os principais clubes, como o Boavista, entenderam que precisavam de falar a uma só voz em determinados assuntos. Era necessário profissionalizar o futebol, a começar pela revisão dos estatutos da Liga Portuguesa dos Clubes de Futebol Profissional, uma entidade criada em 1978 que não tinha qualquer expressão prática no futebol português.

Assim, em 1991 é fundada a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP). Porém, os clubes precisavam de um porta-voz de relevo para que esta nova entidade fosse levada a sério. No ano seguinte, Valentim Loureiro é eleito presidente da LPFP.

Na verdade, desde 1992 que a Liga de clubes tem sede no Porto. Os principais protagonistas do futebol português, como Valentim Loureiro, eram do norte do País.

Em 1994, o major bate com a porta, alegando não ter apoio suficiente dos clubes quanto à questão do pagamento de impostos ao Estado. O primeiro presidente da Liga viria a candidatar-se novamente em 1996. Valentim Loureiro ganhou e renunciou à liderança do Boavista, que entregou ao seu filho João Loureiro, para se dedicar à presidência da LPFP, que desempenhou até 2006.

Foto: YouTube

Major também na política

No entanto, o protagonismo do major no futebol português não era suficiente. Cada vez mais, a voz de Valentim Loureiro era ouvida, respeitada e temida no panorama político. Afinal, o antigo capitão do Exército foi o cônsul da Guiné-Bissau no Porto entre 1982 e 1999.

Militante do PPD desde 1974, Valentim Loureiro é também um dos principais dinamizadores da social-democracia no norte do país. No tempo do ‘Cavaquistão’, o major era uma referência do PSD. Porém, viria a apoiar Mário Soares (PS) nas presidenciais de 1986 e 1991.

Valentim Loureiro, presidente da Câmara de Gondomar

Um apoio que atrasou, mas não travou a afirmação do major no cenário político. Em 1993, o PSD aposta em Valentim Loureiro como candidato à Câmara de Gondomar, um bastião socialista no distrito do Porto.

O PS ganhou as autárquicas, mas Gondomar virou laranja. O major (PSD) ganhou com 42,98 por cento, contra os 42,03 por cento do OS. E a “campanha dos eletrodomésticos”, com Valentim Loureiro a oferecer pequenos eletrodomésticos na campanha eleitoral, ficou para a história da política nacional.

Uma pantera na política regional

Em 1997 e 2001, o major voltou a ganhar a Câmara de Gondomar com a camisola do PSD. Agora, além de presidente do Boavista, o clube da pantera, era ainda autarca.

Com a conquista de um bastião socialista, Valentim Loureiro tornou-se num dos principais atores políticos do PSD. Após a vitória nas autárquicas de 2001, o presidente da Câmara de Gondomar foi eleito pelos seus pares para presidir à Junta Metropolitana do Porto (JMP).

Com a morte de Vieira de Carvalho em 2002, Valentim Loureiro acumulou também a presidência da Metro do Porto, cargo que desempenhou até 2016.

Foto: YouTube

Valentim Loureiro e o Apito Dourado

Tudo parecia correr bem a Valentim Loureiro. O seu Boavistão intrometia-se nos lugares cimeiros do campeonato e nas eliminatórias decisivas da Taça de Portugal. A sua Liga de Clubes ganhava prestígio e influência no futebol nacional, tentando ombrear com a própria FPF. O seu PSD conquistara a Câmara de Gondomar ao PS. O seu Metro era um transporte público de sucesso.

Até que chegou o Apito Dourado.

Em 20 de abril de 2004, Valentim Loureiro e 15 outras pessoas são detidas no âmbito da operação Apito Dourado. Um dos detidos é José Luís Oliveira, presidente do Gondomar SC e vice-presidente da Câmara de Gondomar, que tinha como presidente... Valentim Loureiro.

Valentim Loureiro de pijama e roupão

Quatro dias após ser detido, o major sai em liberdade, mediante o pagamento de uma caução de 250 euros. Um dia depois, com Portugal a comemorar o Dia da Liberdade, Valentim Loureiro aparece à porta de casa, de pijama e roupão, para falar sobre o processo. O major era suspeito da prática de 26 crimes de corrupção e um de prevaricação.

Enquanto o processo corria em tribunal, a Comissão Disciplinar da Liga (CD), presidida por Ricardo Costa, abre um processo paralelo ao Apito Dourado, a que dá o nome de Apito Final. Em maio de 2008, a CD condena o Boavista à descida de divisão.

Escutas do Apito Dourado são nulas

Dois meses depois da decisão da CD, é a vez do Tribunal de Gondomar se pronunciar. Valentim Loureiro é absolvido dos crimes de corrupção, mas condenado por 25 crimes de abuso de poder e por prevaricação. E o major recorre para a Relação do Porto e para o Tribunal Constitucional, com este a declarar a nulidade das escutas  do Apito Dourado.

A sentença da Relação sai em março de 2010. O Tribunal da Relação do Porto entende que a condenação à perda de mandato (na Câmara de Gondomar) era relativa ao mandato 2005-2009, pelo que o autarca continuou a exercer o mandato 2009-2013.

Foto: YouTube

A independência de Gondomar

Ora, o Apito Dourado teve tanta importância na altura que virou um problema político para o partido. Em 2005, o presidente do PSD, Marques Mendes, recusa indicar Valentim Loureiro como cabeça de lista em Gondomar.

Só que a lei tinha mudado e o major avançou com uma lista independente. E o movimento Gondomar no Coração goleou o PSD: Valentim Loureiro ganhou (e viria a ganhar também em 2009) e tornou-se no presidente com o maior número de vereadores em Portugal: oito em 11 possíveis.

Impedido de concorrer em 2013 devido à limitação de mandatos, Valentim Loureiro tentaria regressar à Câmara de Gondomar nas autárquicas de 2017. Nessa eleição, ficou em terceiro lugar, com 19,9 por cento dos votos. E é de referir que, nas autárquicas de 2013, Gondomar deu maioria absoluta ao PS. 

A vitória do Boavista no Apito Dourado

Quando a CD puniu o Boavista com a descida de divisão, no caso Apito Final, Valentim Loureiro já não era o presidente. Quem mandava no Bessa era já o seu filho, João Loureiro.

Todavia, os recursos apresentados pelo clube e também por Valentim Loureiro no processo Apito Dourado (assim como os recursos de João Loureiro, também ele condenado no Apito Final) viriam a resultar numa derrota para a CD de Ricardo Costa.

Em 2008, o castigo da CD foi validado pelo Conselho de Justiça (CJ) da FPF. O problema é que isso aconteceu depois da reunião ter sido oficialmente encerrada. Em maio de 2011, na sequência dos recursos de Boavista e FC Porto, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa anula os castigos da CD.

A isto se juntou a necessidade de invalidar as escutas, de acordo com a decisão do Tribunal Constitucional referida acima.

Desta forma, a descida de divisão do Boavista, na época 2007/08, era nula. Isto obrigava Liga e FPF a reintegrarem os axadrezados no principal escalão do futebol profissional português, o que viria a acontecer na temporada 2014/15.

Longe iam já os tempos da presidência de Valentim Loureiro. Ainda assim, a reintegração do Boavista foi mais uma conquista importante no currículo do major.Foto: YouTube

Valentim Loureiro, um dirigente de mérito

Apesar de todas as controvérsias e decisões judiciais e disciplinares desfavoráveis, a verdade é que o major Valentim Loureiro é um dirigente desportivo de mérito.

Esse reconhecimento partiu de um Presidente da República e de um primeiro-ministro. Primeiro, foi o Presidente Mário Soares (PS) a conceder a Valentim Loureiro o grau de Comendador da Ordem do Mérito, em 1989.

Logo no ano seguinte, o major recebeu do primeiro-ministro Cavaco Silva (PSD) a Medalha de Mérito Desportivo.

Na temporada 2000/01, o presidente honorário do Boavista (desde 1997) viu o clube sagrar-se campeão nacional, retirando de vez ao Belenenses (campeão em 1945/46) o estatuto de ‘quarto grande’ do futebol português.

João Loureiro era o presidente, Jaime Pacheco o treinador, Sanchez, Pedro Emanuel, Martelinho, Silva, Petit e Ricardo as estrelas da equipa. Porém, o futebol português reconheceu que o grande mérito do Boavista campeão se deveu a Valentim Loureiro.