Florentino Pérez está ligado a alguns dos maiores sucessos europeus do Real Madrid, mas é uma ligação de perfil quase burocrático ou administrativo. Às vezes, mais do que um aliado ou um protetor, Florentino Pérez chega a ser um empecilho para a equipa de futebol do clube que dirige.
O presidente do Real Madrid olha para o futebol como um negócio e é por isso que, não raras vezes, parece medir o sucesso pela quantidade de camisolas vendidas e não pelos troféus conquistados.
Florentino é, no entanto, um mau gestor, porque a falta de sensibilidade futebolística leva-o a cometer erros crassos. No final da época passada terá atingido o zénite dessa falta de entendimento do “negócio principal” do clube que dirige.
O primeiro grande erro foi potenciar a saída de Zinedine Zidane, através de uma política de falta de apoio ao treinador, nos momentos mais complicados da temporada. O líder “merengue” nunca criticou abertamente o técnico, mas também nunca o defendeu, numa estratégia de sobrevivência que lhe permite, de forma infalível, aparentar que defende uma coisa e o contrário, sem nunca perder a face.
Ao escolher Julen Lopetegui e ao forçar o anúncio da contratação do selecionador a dois dias da estreia de Espanha no Campeonato do Mundo, Florentino Pérez demonstrou uma vez mais que prioriza uma agenda própria, imparável mesmo face ao interesse “nacional”. Em poucos horas, a intransigência do presidente do Real Madrid abriu uma crise sem precedentes na equipa espanhola, cuja performance desportiva na Rússia ficou ferida de morte após o “raide” que afastou Lopetegui do Mundial. Face a tudo isto, Florentino Pérez limitou-se a “assobiar para o lado” e a pedir ao novo treinador o mesmo grau de sucesso que Zidane tinha garantido nas temporadas anteriores.
José Antonio Lopetegui é pai de Julen e ficou conhecido no País Basco por ser um exímio praticante de uma modalidade algo exótica, o “levantamento do pedregulho”. Desta vez, poucas horas antes do despedimento do filho, tenteou atirar na direção de Florentino aquela pedra pesadíssima que todos os adeptos do Real Madrid andam a carregar há alguns meses: a da saída de Cristiano Ronaldo. José Antonio lembrou que a saída de CR7 “roubou” 50 golos por temporada à equipa que era de Julen e que a saída do melhor jogador da história do clube não foi compensada com a entrada de outro goleador com uma eficácia aproximada.
Poderá ser exagerado reduzir uma equipa a um jogador? Provavelmente sim, mas Cristiano Ronaldo foi, nos últimos anos, a maior garantia de sucesso de um Real Madrid que andou muitas vezes fora do rumo exibicional certo, mas que parecia sempre poder contar com a intratável voragem goleadora de um jogador que Florentino Pérez não demonstrou verdadeira vontade de segurar.
Na hora da saída, o Real Madrid emitiu um comunicado que é um dedo apontado ao agora ex-treinador. Ao sublinhar “a grande desproporção entre a qualidade do plantel, que conta com oito jogadores nomeados para a próxima ‘Bola de Ouro’, e os resultados obtidos até à data”, Florentino Pérez volta a colocar-se quase no papel de mero espectador das decisões por ele próprio tomadas no Real Madrid. Ao invés de assumir uma parte das culpas, prefere condenar (apenas) Lopetegui de forma sumária.
Apesar desta nota de injustiça e do golpe que foi a saída de Ronaldo para a Juventus, há razões para duvidar da real capacidade de Lopetegui para levar o clube da capital espanhola ao sucesso imediato (o único que é aceitável no Real Madrid).
No FC Porto, o treinador espanhol teve o melhor plantel dos últimos anos, mas nunca conseguiu libertar a equipa de uma exigência de posse de bola que era muitas vezes benigna para o adversário. Os bons momentos no comando da Seleção de Espanha foram apagados por uma saída abrupta e quase inconsciente, tornada pública em vésperas do Mundial, para dar conforto à posição de Florentino Pérez.
Agora que foi afastado a meio de um projeto, Lopetegui não deve esquecer que há poucos meses se afastou da seleção espanhola quase a meio do caminho para o relvado. Pode não ser karma, mas parece.
Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.